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segunda-feira, julho 16, 2007

O sonho comanda a vida





Pintura do saudoso Cees Bantzinger (Amstelveen). Homenagem à sua família Anne-Rose Bantzinger e Jetty Paerl que não vejo há muitos anos.

Camila morreu num Domingo de Sol, às 6 da manhã. A noite chegava mais cedo, sem aviso, devido à tempestade. O vento fazia tremer os candeeiros da cidade dando um ar fantasmagórico às ruas e grossas pingas de chuva toldavam a visão de Camila que, apressadamente, se dirigia para casa. Sentia-se cansada pelo dia fatigante no trabalho e pela ideia de ter ainda que arrumar os despojos da saída, à pressa, de manhã, por ter que pensar, cozinhar e servir o jantar, mesmo sem apetite, por ter que pedir ajuda ao marido, que sempre tinha que pedir, por ter passado mais um dia, entre muitos, igual. Cansada sobretudo pelo sonho que tarda a realizar-se; o reconhecimento da sua competência profissional, a subida na carreira, o respeito dos colegas, dos superiores, da família. Mas o sonho comanda a vida e tinha que, como sempre, continuar a sonhar. Camila enfrentava todos os dias o desânimo e lutava com forças que desconhecia de onde vinham. Não fosse achar que não se sentia bem, mal vislumbrando quem se cruzava com ela e andando na rua como que um fantasma, teria erguido a cabeça e até rido da rotina como sempre o fazia. Estranhamente, ao meter a chave à porta, esta abriu-se como que por magia e Camila sentiu-se docemente empurrada na direcção da lareira, já acesa, crepitante. A música suave, a sala na semi-obscuridade, a temperatura aconchegante, os copos de vinho a amornar junto ao fogo, a presença do marido junto a si, encheram-na de ternura por esse quadro inesperado numa noite que pensava igual a outras. Sentou-se no tapete, no chão, pegou num dos copos de vinho, Carlos no outro, e bebeu um largo golo que lhe aqueceu a alma e lhe embalou o coração. Carlos, adivinhando-lhe o desgaste e a carência, abraçou-a por trás e, docemente, deixou os lábios no pescoço dela, demoradamente, carinhosamente. Camila sentiu-se no céu, não deixando que a estranheza daquele acto, nada próprio do marido, manchasse um momento como esse. De mansinho virou-se para ele, era urgente chegar-lhe, urgente retribuir-lhe. De súbito, não conseguiu ver-lhe a face _ a visão turva do cansaço, da chuva, do vinho. Mas mais nada importava; sentiu-lhe os dedos gulosos, os lábios macios explorando cada canto do seu corpo, a roupa a rasgar, o hálito quente nos seus seios, a explosão de mil sóis dentro de si. Ficaram deitados e abraçados naquele doce esgotamento depois do amor, frente à lareira, olhando como que atraídos o fogo a crepitar. O Sol tinha nascido quando Camila acordou, olhou as horas, 6 da manhã. A seu lado Carlos dormia, de costas para ela. Pensou levantar-se mas a recordação do sonho que tivera, fê-la mudar de ideias. Definitivamente, havia muitos anos que não tinha um sonho tão bom e quanto mais dormisse mais possibilidades teria de voltar a sonhá-lo. Decidiu _«vou dormir para sempre» _e morreu.