segunda-feira, maio 01, 2006

Beleza, a quanto obrigas!


Na revista Visão, de há algumas semanas atrás, numa reportagem sobre cirurgia plástica, um dos contactados, psiquiatra, referia mais ou menos isto: «o envelhecimento é um processo natural que deve ser aceite por todos com normalidade, logo, alguma coisa está errada com quem não consegue aceitar esse envelhecimento, contrariando-o com cirurgias plásticas». Pois bem, algo de errado se passa comigo _ terei que considerar uma ida ao psiquiatra. Isto porque, olhando-me ao espelho, comecei a não gostar daquilo que via e decidi fazer uma cirurgia plástica. Nada de especial, tirar um bocadinho de pálpebra a mais e encher os sulcos de expressão provocados pelo sorriso _ sou uma pessoa bem disposta.
Tudo correu muito bem mas, em consequência dessa cirurgia, aconteceu um episódio engraçado que gostaria de contar:
Frequento há anos um pequeno supermercado onde todos me conhecem, desde o patrão aos empregados, tendo sempre com eles as usuais conversas de circunstância, algumas brincadeiras e algumas provocações quando o meu clube de futebol se sai menos bem. Depois desta minha cirurgia, e para poder reiniciar o meu dia a dia, tentei, nem sempre com bons resultados, com maquilhagem e óculos escuros, esconder as cicatrizes, hematomas e inchaços na face e nos olhos. Mais do que para esconder a cirurgia, para não impressionar as pessoas . Acontece que durante vários dias, quando entrava no supermercado, sempre de óculos de sol na cara, e sem os tirar, apercebia-me de que os empregados não me tiravam os olhos de cima e por vezes até cochichavam entre eles. Senti que afinal estava a fazer o papel de mal-educada _ nunca achei correctas as pessoas que não tiram os óculos escuros quando não estão na rua e ainda mais quando se dirigem a alguém. Sendo o meu caso porque ía dirigir-me à caixa para pagar as compras, pensei para comigo: «Que diabo, qual o problema em confessar que fiz uma cirurgia às raparigas com quem falo todos os dias?!» E não estive com meias medidas, sorri, e baixinho para a rapariga da caixa, perguntei-lhe: «Está a estranhar a minha cara?». Via-a ficar vermelha, depois branca, gaguejou e por fim lá lhe saiu: «A senhora não precisa de me contar nada. Infelizmente tenho o mesmo na família, a minha irmã. Rara é a semana em que não fica como a senhora, toda marcada. Uma vez até foi parar ao hospital!». E continuou: «Isto cada casa é um mundo e o casamento é uma carta fechada, há os que se dão bem e os que se dão mal. Olhe que nunca me passou pela cabeça que o marido da senhora… Quando a vi aparecer aqui no outro dia, toda negrinha e com a cara inchada, disse logo para a minha colega que a senhora não merecia uma coisa destas… tão simpática». Atónita, fiquei sem palavras. Só passados alguns instantes e após engolir em seco várias vezes, baixei-me sobre ela, retirei os óculos, mostrei-lhe as suturas simétricas nos olhos, os furozinhos, também simétricos em cada lado da boca e expliquei-lhe: «Isto foi uma cirurgia plástica!...». Mais uma vez ficou vermelha, depois branca, sorriu-me, pôs-se séria e tornou a sorrir-me. Despedi-me e, encaminhando-me para a saída, ainda consegui ouvi-la gritar a novidade para a colega da charcutaria: «Sónia, afinal não foram uns "murraços", foi uma operação!».

5 comentários:

Lilith disse...

Pois então se eu estou à volta do meu bloguito... Ainda estou a alinhar aquilo... O que fiz ontem era muito gótico, muito negro, nada tinha a ver com o que sou!
A solidão dá para fazermos blogues?

Lilith disse...

Então, o blogue anda pouco actualizado! Vamos lá dar vida a isto!

Vereador da Tanga disse...

Gostei de ler.
Continua

Teresa Mateus Cordeiro disse...

Respeito pelos outros e autoestima são valores (ainda alguém sabe o que quer dizer esta palavra?)
Muitas vezes, as únicas motivações das cirurgias plásticas são ir ao encontro de valores...
Bem haja quem as faz pelas motivações mencionadas...

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.